O consultor João Rezende, ex-presidente da Anatel, traz nesse artigo o histórico da formação do preço de referência pelo uso dos postes do setor elétrico pelas operadoras de telecom e alerta que o novo valor não pode criar subsídios para qualquer dos dois segmentos.

  • João Rezende

Nos documentos, votos e resoluções quais foram os critérios para a formação do Preço de Referência estabelecidos pela Resolução 04/2014 da Agência Nacional de Telecomunicações e da Agência Nacional de energia elétrica? Por preço de referência entenda-se valor de cada ponto utilizado pelas operadoras de serviços de telecomunicações nos postes de propriedade das concessionárias distribuidoras de Energia Elétrica.

Os debates sobre a fixação de um preço de referência para cada ponto de fixação no poste iniciaram em 2007 em um trabalho que fora liderado pela Agência Nacional de Telecomunicações e pela Agência Nacional de Energia Elétrica. Após consultas públicas realizadas pelas duas agências chegou-se ao preço de referência de 0,6% do valor de um poste típico.

Na proposta inicial não havia preocupações com o número de competidores que poderiam utilizar a área de compartilhamento dos postes e nem mesmo custo real dessa infraestrutura(postes). E há razões para isso. O mercado de banda larga fixa naquele momento era incipiente e não havia os números atuais de provedores de internet operando no mercado.

Os conflitos, quando existentes, eram entre as concessionárias de telefonia fixa e umas poucas empresas de televisão por assinatura via cabo. Na realidade, a ocupação de postes não era um assunto em pauta, nem para as agências e nem para o mercado. Situação que se alterou com o aumento de provedores de banda de larga fixa pós 2010. A utilização de postes se tornou um fator de competição e o acesso a eles um aspecto importante para a prestação de serviços de telecomunicações.

Em 2013 o assunto volta à pauta das duas agências e inicia-se o processo para estabelecer um preço de referência e as condições de ocupação dos postes. Na proposta de resolução lançada à consulta pública, o preço de referência por ponto ficou definido em R$, 2,44 (Dois Reais e Quarenta e Quatro centavos). Esse valor foi consignado tendo como base os dados informados por 61 concessionárias de distribuição de energia elétrica em 2009, que abrangia 461 contratos de compartilhamento.

Assim como em 2007, o estabelecimento do preço de referência não foi considerado, nem o custo para a utilização dos postes, e nem a quantidade máxima de empresas de telecomunicações que poderiam compartilhar o mesmo poste. Ficando a cargo das concessionárias de distribuição de energia elétrica definir os critérios, quantidades e formas de ocupação dos postes.

Após a consulta pública em 2013 as áreas técnicas das duas agências ampliaram o número de contratos de compartilhamento pesquisados para 1.269, o que elevou o preço de referência por ponto de R$ 2,44 (Dois Reais e Quarenta e Quatro centavos) para R$ 3,19 (Três Reais e Dezenove Centavos). O preço de referência foi estabelecido a partir dos valores praticados nos contratos de compartilhamento por média ponderada.

Conforme consta da Nota Técnica nº 185/2013-SRD/SCT/ANEEL, os aspectos positivos para a adoção da média ponderada (dos contratos praticados naquele momento pelas concessionárias de energia elétrica) são a) simplificação do processo, evitando a utilização de cálculos e parâmetros e variáveis para a determinação do preço de referência, e b) o valor decorre de dados reais coletados por meio de levantamento realizado com contratos de compartilhamento em vigor”.¹

CONTRATOS DE COMPARTILHAMENTO X PREÇO DE REFERÊNCIA PONTO DE FIXAÇÃO

Na Resolução Conjunta 04/2014 ANEEL-ANATEL publicada em 30 de dezembro de 2014 a definição do preço de referência – o que permanece em vigor até hoje – não leva em consideração nem o custo real para uso da infraestrutura e/ou outras variáveis como número de competidores que estavam utilizando a mesma infraestrutura-postes.

Há um outro aspecto. Hoje o número de empresas que atuam no mercado de telecomunicações é infinitamente superior ao número de empresas que atuavam quando do estabelecimento do preço de referência pela Resolução Conjunta 4/2014 da ANEEL/ANATEL. Os dados mostram que saímos de 745 empresas existentes em 2007, para 4.014 em 2013 e quase 12 mil empresas em 2022.

Com essas informações é possível afirmar que houve um aumento considerável das receitas auferidas pelas distribuidoras de energia elétrica. O que em 2007 era apenas uma receita marginal ganhou relevância em 2014 e, agora em 2023, podemos dizer que a receita potencial com locação de espaços nos postes pode ser hoje 3 vezes maior do que as receitas em 2013. Houve um incremento de recursos financeiros em favor do setor elétrico em detrimento do setor de telecomunicações.

Custo Real de Infraestrutura-Postes

Em meio aos trâmites finais das duas agências – Agência Nacional de Telecomunicações e Agência Nacional de Energia Elétrica em definir uma nova resolução que substitua a Resolução Conjunta 4/2014, existem questões importantes a serem tratadas. A primeira é a questão do preço de referência. Muita embora fixado em R$ 3,19 (Três Reais e Dezenove Centavos)² na resolução atual os preços praticados no mercado são em sua maioria acima desse patamar. Principalmente para aqueles provedores com menor números usuários. É preciso que os contratos entre as empresas de telecomunicações e a distribuidoras de energia elétrica tenham maior aderência ao preço de referência.

Para um estabelecimento de um preço adequado seria necessário criar uma metodologia para apurar o custo real da infraestrutura. Dentre outras variáveis, seria importante analisar a real capacidade de cada poste em suportar um número de competidores em sua área de compartilhamento. Levando em consideração que a tecnologia tanto dos equipamentos de suporte para instalação como dos próprios fios e cabos poderem comportar um número crescente de competidores.

Os debates até agora sobre a definição do preço de cada ponto nos postes são questões que já foram pontudas por diversos setores do mercado. A formatação de um modelo de custo para a utilização dos postes parece ser o caminho a ser perseguido pois, não só melhora o grau de transparência das relações entre os setores – telecomunicações e elétrico -, como aumenta a credibilidade na resolução produzida em conjunto pelas duas agências.

Se é correto afirmar de que as distribuidoras de energia elétrica não devam conceder subsídios às operadoras de telecomunicações, é também correto afirmar que os preços a serem praticados pela pelas distribuidoras de energia elétrica pelo compartilhamento de ponto nos postes não deva ir além das variáveis como – valor do poste, manutenção, depreciação, custo de reorganização de ocupação e etc., variáveis essa sempre cotejadas com o número de empresas do setor de telecomunicações que possa vir a compartilhar o mesmo poste, sob pena de que haja subsídios do setor de telecomunicações em favor do setor elétrico.

Fonte: Telesíntese