Entidades manifestaram sugestões em audiência pública promovida pela relatora do PL 2768/2022, que prevê que a agência reguladora de telecomunicações seja responsável por fiscalizar o mercado digital, sob contribuição das grandes empresas.
A criação de um Fundo de Fiscalização das Plataformas Digitais a ser cobrado das big techs dividiu opiniões em audiência pública realizada nesta quinta-feira, 17, na Câmara dos Deputados. O debate tem como principal objetivo subsidiar o parecer da Comissão de Desenvolvimento Econômico a projeto de lei que trata do tema, já em tramitação.
A matéria em questão, PL 2768/2022, atribui a regulação do mercado digital à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), sem citar moderação de conteúdo e fake news. A proposta trata principalmente da previsão de normas que garantam os direitos do consumidor e a livre concorrência no mercado de comunicação, com exceção do que já compete ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
O PL é de autoria do deputado João Maia (PL/RN) e está sendo relatado pela deputada federal Any Ortiz (Cidadania-RS), que presidiu o debate na Comissão de Desenvolvimento Econômico nesta manhã, com a presença de representantes do Google, da Anatel, da Associação Brasileira das Empresas de Software (Abes) e da Conexis Brasil Digital, que representa as teles.
De acordo com a proposta, a taxa seria anual, destinada às plataformas com poder de controle de acesso essencial, no valor de 2% da receita operacional bruta. O descumprimento estaria sujeito ao pagamento de juros de 1% por mês de atraso.
Diferentes posições
Marcos Ferrari, presidente-executivo da Conexis, afirmou que o PL “é um bom começo de debate”, no sentido de que o setor defende a discussão sobre o uso comercial da rede.
“Hoje as big 6 (Meta, Alphabet, Microsoft, Amazon, Apple e Netflix) representam praticamente 50% do tráfego gerado nas redes, considerando banda larga móvel e fixa. Quando nós fazemos o corte só para rede móvel que é o meio pelo qual o brasileiro mais acessa à internet, esse volume aumenta para 80% […] Nós temos uma altíssima carga regulatória que as empresas que estão aqui mencionadas não tem”, afirmou Ferrari.
Apesar de ressaltar a importância da proposta para prever regulação e, com isso, a análise de questões concorrenciais, o representante das teles fez ressalvas especificamente ao fundo.
“Criar um fundo a partir de cobrança às big techs? Fundo, que é algo que não nos deixa feliz, por que não é usado?”, questionou Ferrari.
Apesar de leis recentes reestruturarem as regras para dos fundos setoriais proibindo que sejam desviados para outros fins, o presidente-executivo da Conexis lembrou que os fundos setoriais para o setor de telecomunicações, antes disso, tiveram histórico de uso em outras áreas.
“Desde quando [o setor de telecom] foi privatizado, nós arrecadamos R$ 231 milhões e apenas 8% foi usado para política pública. Existe um déficit de conectividade muito associado ao déficit de uso dos fundos setoriais”, citou.
Em seguida, Marcelo Almeida, Relações Institucionais e Governamentais da Abes, reforçou que o setor “não enxerga a assertividade das políticas públicas que utilizam os fundos”, e chamou atenção para a dificuldade de cálculos.
“E o desafio que precede ter base de cálculo para cobrança de taxa, é a falta de precisão dos elementos que vão gerar o controle e a regulação de plataformas digitais. […] Se nós não conseguirmos resolver isso dentro do projeto de lei, não há que se falar em cobrança”, disse.
Já o presidente da Anatel, Carlos Baigorri, ressaltou que tratam-se de fundos diferentes.
“Esse tributo previsto no PL não é para fazer política pública. Não é para levar a internet para o interior. É para pagar a contraprestação do exercício do poder de polícia. Então, são fundos setoriais de naturezas diversas. Tentar colocar tudo no mesmo balaio de gato é um argumento que, me desculpe, é completamente falacioso”, criticou, o presidente da Anatel.
Baigorri usou como exemplo o Fistel, Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel), já cobrando das grandes operadoras. “As empresas de telecomunicação recolhem o Fistel, porque é o Fistel que dá origem ao nosso orçamento para termos equipes em todo o Brasil, para termos equipamentos e fiscalizar as operadoras de telecomunicações”, detalhou o presidente da Anatel.
Já o Google, representado pela gerente de Relações Governamentais e de Políticas Públicas da empresa, Roberta Rios, negou que a big tech não faça contribuições financeiras ao Brasil. “Na parte de investimento de infraestrutura, sim, sabemos que a área de telecomunicações faz o investimentos, e é necessário porque, senão, obviamente nenhum dos nossos processos funcionaria. Mas as empresas fazem, sim, investimentos significativos, voluntariamente. No Brasil, por exemplo, o Google está trazendo o quarto cabo submarino ao país este ano“, disse Rios.
A gerente também afirmou que a empresa “acredita, piamente”, que “qualquer tipo de regulação que venha” o Google terá “comprometimento com o país, com as suas regras, com suas legislações”.
Autorregulação
Também houve diferentes visões sobre eventual autorregulação, palavra esta que não aparece no PL de Maia. Para a Abes, o melhor caminho é a autorregulação regulada, ou seja, as empresas produzirem um código de conduta com base em diretrizes impostas por uma autoridade independente a elas. Já Baigorri, fez observações.
“Autorregulação funciona quando você tem agentes sem poder de mercado […] Quando estamos falando de quatro ou seis empresas multibilionárias transnacionais, querer fazer autorregulação é que nem você querer dar homeopatia para uma pessoa com câncer terminal. A única forma do Estado contrapor o poder econômico, é com o poder de polícia”, opinou o presidente da Anatel.
Baigorri também rebateu uma das principais críticas em relação à atribuir para a Anatel a regulação do mercado digital, a de que as empresas de telecomunicações e radiodifusão atuam em mercados distintos das plataformas.
“Por exemplo, não parece razoável que quando você pega um telefone celular e ligue para o 190 ele tem que atender? Parece razoável. Mas a gente não consegue colocar essa obrigação para o WhatsApp, porque ele não está debaixo do nosso arcabouço regulatório. A única forma de garantir justiça concorrencial é se você conseguir alcançar todos os agentes que disputam o mesmo mercado, porque o mercado é o mesmo. Se fosse em mercado separado, se eles estivessem disputando consumidores separados, não teria problema”, disse Baigorri, que levou o apoio da relatora neste ponto.
Fonte: Telesíntese