Responsável por diferenciar o serviço de conexão à Internet da atividade de telecomunicações, a Norma nº 4/1995 teve mais uma vez a sua revogação defendida pelo presidente da Anatel, Carlos Baigorri. O tema é sensível para um grande número de provedores regionais de banda larga, que se baseiam nessa diferenciação para sustentarem um tratamento tributário diferenciado.

A manifestação pública de Baigorri ocorreu em evento promovido em Guarulhos (SP) nesta quinta-feira, 26, pelo portal Tele.Síntese. O servidor defendeu a revogação da regra (considerada fundacional na Internet brasileira) como uma posição individual, uma vez que decisão do gênero depende do Conselho Diretor da Anatel.

“A minha posição é que a Norma nº 4 foi criada em um contexto fático que não existe mais”, afirmou o presidente da Anatel. “Defendo revogá-la, prevendo um prazo para que players que usam o SCI [Serviço de Conexão à Internet] se adequem a novos serviços de valor adicionado e consigam ter perspectiva de longo prazo com mais segurança”.

O caso

Baigorri relembrou que a Norma nº 4 foi criada ainda na época do acesso discado à Internet. A regra permitiu que o serviço de conexão oferecido por provedores habilitasse a navegação na web a partir das linhas de telefonia fixa (este sim, um serviço de telecom).

Já com a posterior criação do Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), que reúne tanto a parte de conexão quanto a de telecom, o SCI teria deixado de ser necessário para operadoras – que não costumam mais cobrar pela etapa da conexão, argumentou o presidente da Anatel.

O regramento, contudo, ainda é utilizado por muitos provedores regionais como estratégia tributária – uma vez que por não ser um serviço de telecom, o SCI não paga ICMS. Essa diferenciação é usada sobretudo por players com bases entre 5 mil e 30 mil assinantes, sendo que há empresas que discriminam 70% das receitas como serviços de conexão, em vez de telecom.

Nesta quinta, Baigorri classificou o uso do SCI como legítimo, mas também afirmou que ele gera uma “insegurança jurídica muito grande”. Sobretudo por conta dos fiscos estaduais que questionam a diferenciação e o não pagamento do ICMS, mas também pela própria fiscalização da Anatel, que entende há algum tempo que há provedores exagerando na prática.

Tal vantagem, contudo, teria data de validade por conta da base ampla prevista na reforma tributária, aprovada no ano passado e que deve igualar alíquotas das duas atividades. “Esse planejamento não vai mais fazer sentido, porque tem perspectiva de acabar em 2027 [início da vigência da reforma]. Então não tem mais sentido técnico, é inseguro e tem essa perspectiva de curto prazo”, afirmou Baigorri, fazendo ainda um alerta.

“Se quem usa SCI não começar a fazer essa transição agora, inevitavelmente vai quebrar em 2027 quando tiver que fazer essa transição na marra. Os players que não usam SCI já usam outros serviços de valor adicionado, e um dos mais utilizados é o livro digital, que na reforma tributária vai continuar existindo”, completou o presidente da Anatel.

Mudança de posição

A postura de Baigorri representa uma mudança. Em 2022, no bojo das discussões para o Regulamento de Simplificação Regulatória da Anatel, a área técnica chegou a propor a revogação da Norma nº 4. Mas o Conselho Diretor derrubou o elemento, em votação com placar de 3×2 que teve o atual presidente da Anatel como um dos defensores da manutenção das regras de 1995.

Desde então o tema foi à consulta pública e, no ano passado, passou para a relatoria do conselheiro Alexandre Freire. A perspectiva de que o novo relator defenda a revogação da Norma nº 4 já tem preocupado há alguns meses os provedores, especialmente os reunidos na Abrint. A postura do presidente da Anatel sobre o tema deve ampliar o “rebuliço”, indicou uma fonte do segmento de provedores ouvida por TELETIME.

Entre as empresas regionais, um dos grandes receios é que a extinção da Norma nº 4 possa acirrar de imediato a abordagem de fiscos estaduais – que costumam multar e disputar na Justiça com pequenas operadoras sobre a cobrança do ICMS. Assim, uma queda da regra poderia representar perda de causa para diversas empresas.

Em paralelo, há uma questão ainda mais profunda: o entendimento que ao acabar com a Norma nº 4, a Anatel estaria interferindo na estrutura da cadeia de Internet e extrapolando suas funções de reguladora do mercado de telecomunicações. Essa foi uma leitura já sinalizada pelo Comitê Gestor da Internet (CGI.br) na última vez em que o debate veio à tona.

Fonte: Teletime