O processo que tramita na Anatel sobre o pedido de ampliação da capacidade da constelação Starlink no Brasil mostra que o assunto será catalisador de um escrutínio bem mais amplo sobre o mercado de satélites de órbita baixa por parte da agência. O conselheiro Alexandre Freire, que relata a matéria na Anatel, pediu às áreas técnicas da agência que “apresentem estudo com a análise do impacto das constelações não-geoestacionárias de baixa órbita no uso dos recursos de órbita e espectro, considerando, entre outros aspectos, a perspectiva antitruste e concorrencial, o papel dessa infraestrutura na cadeia de valor, o nível de concentração no mercado relevante, a possível existência de posição dominante por parte de determinados players e outros fatores que as Superintendências julgarem pertinentes ao tema”.
As áreas de competição e de espectro da Anatel terão 60 dias para subsidiar o conselheiro e o Comitê de Infraestrutura de Telecomunicações da agência, que ele também preside, sobre o tema.
A Starlink solicitou este ano à Anatel a ampliação da sua capacidade operacional no Brasil, de 4,4 mil satélites para cerca de 12 mil. A autorização da agência é prevista em lei e, portanto, necessária, por conta das preocupações com interferências de espectro e segurança de órbitas. Além disso, quando autorizou a Starlink a operar no Brasil, em 2022, a agência propositalmente havia dado a autorização com uma quantidade menor de satélites, para ter a oportunidade de avaliar futuros impactos. O pedido da Starlink suscitou vários comentários de outros players do mercado de satélites.
Além disso, a Superintendência de Outorgas e Recursos à Prestação também realizou Tomada de Subsídios com o objetivo de obter informações sobre o que representa a sustentabilidade espacial de longo prazo e sua importância para a exploração de satélites no Brasil.
Freire, ao fundamentar o pedido, cita todas as preocupações de sustentabilidade espacial, riscos de interferências associados às frequências, além de questões concorrenciais, dado o fato de que a Starlink opera hoje com uma tecnologia sem concorrentes diretos nas mesmas características técnicas.
Análise
Mas a encomenda do estudo por parte do gabinete de Freire e do Comitê de Infraestrutura tem um componente adicional: a Starlink está no centro das principais questões geopolíticas atuais, e o Brasil enfrenta uma situação muito peculiar.
De um lado, a Starlink é uma das empresas de banda larga que mais cresce no Brasil e hoje já atende cerca de 250 mil clientes no país. Em algumas regiões, sobretudo no Norte, é a principal opção de acesso em muitas localidades. Também governos Estaduais, as Forças Armadas e órgãos públicos, até mesmo do Judiciário, têm contratado Starlink como opção preferencial.
MAs é inegável que o fato de a Starlink pertencer a Elon Musk, multibilionário que aderiu à vitoriosa campanha de Donald Trump e será um importante ator no futuro governo Republicano nos EUA, gera desconforto no governo Brasileiro.
O Ministério das Comunicações sofre pressões para incluir a Starlink em políticas públicas, mas seria improvável, em um governo Lula, a contratação da empresa cujo principal acionista critica abertamente o presidente e o Supremo Tribunal Federal. Por esta razão, o país tem se aproximado da China, na esperança que no futuro a constelação SpaceSail possa rivalizar em capacidade e oferta com a empresa de Elon Musk. O problema é que a operação chinesa não vem antes de 2026, e não se sabe se de fato a parceria com a Telebrás vai andar.
Para complicar ainda mais o cenário, o futuro presidente da FCC (órgão regulador similar à Anatel nos EUA) será Brendan Carr, um republicano fortemente alinhado com Trump e que se alinhou às teses da Starlink junto ao regulador norte-americano.
Tanto que, quando a Anatel determinou aos provedores de telecomunicações o bloqueio à rede social X por ordem do Supremo, Brendan Carr escreveu à agência brasileira uma dura carta criticando a decisão da Justiça e do órgão regulador brasileiros e alertando para os riscos de perda de investimentos estrangeiros no Brasil. Brandan Carr estava particularmente preocupado com a possibilidade de a Starlink ser punida pela Anatel por, inicialmente, ter se negado a bloquear o acesso ao X.
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