Quem volta 10 anos nos dados de acessos em telecomunicações no Brasil vai se deparar com uma realidade bem diferente da que se tem hoje quando o foco for o uso serviços de operadoras móveis virtuais, as MVNOs.

Na virada de 2014 para 2015, o Brasil atingia o ápice da quantidade de acessos celulares ativos, conforme dados da Anatel. Em setembro de 2014, havia mais de 278 milhões de usuários móveis (atualmente são 262 milhões), distribuídos entre Vivo, TIM, Claro, Oi, Nextel, Algar. A sétima do ranking era a Porto Seguro Conecta, uma MVNO, com 235,9 mil usuários.

Hoje, a realidade é outra. Oi sumiu do mapa, absorvida por Vivo, Claro e TIM. Nextel foi comprada pela Claro. A Porto foi absorvida pela TIM. Algar e Datora agora aparecem em 4º e 5º lugar entre as operadoras móveis, utilizando-se bastante da modalidade de MVNOs para atender o mercado M2M. Em 6º vem a Surf Telecom, com 1,59 milhão de usuários: quase sete vezes mais do que tinha a Porto em 2014.

Desconsiderando os acessos M2M, as MVNOs aparecem hoje como a quarta maior operadora móvel do Brasil, observa Yon Moreira, CEO da Surf Telecom. Uma constatação de que as virtuais ascenderam com a saída da Oi Móvel da disputa em 2022.

Em setembro, a Surf adicionou 80 mil clientes, mais que a concorrentes tradicionais, o que leva Moreira à certeza de que há espaço para o modelo de fábrica de MVNOs ir além. O motor desse crescimento, prevê, serão parcerias com provedores de banda larga.

Hoje a empresa tem mais de 300 marcas sob seu guarda-chuva, de times de futebol a celebridades que lançaram operadoras virtuais para atender os fãs, bem como redes de varejo, Correios, bancos e farmácias.

Confira abaixo a entrevista que Moreira concedeu ao Tele.Síntese a respeito do mercado MVNO e do momento da Surf, que inclusive cresce em meio a disputas societárias.

Os números de setembro de 2024 da Anatel mostram a Surf Telecom com 1,59 milhão de clientes. São todos no varejo, ou tem M2M na carteira de vocês?

Yon Moreira, CEO da Surf Telecom – Não, a oferta de MVNO para M2M tem muita competição. Um acesso custa, digamos, R$ 3, e a MVNO fica com 20%, apenas 60 centavos. Então é uma tese que eu não defendo.

O acesso M2M tem que custar 10 a 20 centavos no máximo. Para o foco da MVNO ser M2M, a tecnologia teria que ser onipresente em um país como o Brasil. Estar em todos os medidores de energia, de água, em todos postes, sinais de trânsito. Como se desperdiça muita luz, água, comida, poderia ser usado para melhorar a vida das pessoas.

Então, tirando acessos M2M, considerando acessos pré e pós-pagos com cobertura nacional, nós somos a maior operadora do Brasil em MVNOs. O nosso pós é controle. Hoje o nosso controle está em 100% das parcerias com provedores de internet, e tem uma parcela boa também de Uber e de Correios. A Surf é uma empresa enxuta, asset light, a gente não tem e nem quer ter todo uma estrutura de billing, de cobrança, de fatura, e o controle é interessante nesse sentido, por ser mais simplificado.

Então são todos 100% varejo? Não há nada em M2M ou sem ser MVNO?

Moreira – Não temos nada de M2M, e todos são MVNO. Nós temos espectro, mas não comercializamos diretamente a nenhum consumidor. O que não aparece nos dados da Anatel é que somos os líderes de FWA LTE em São Paulo. Mais de 100 mil acessos utilizando a banda 38, de 2,5 GHz. Temos 50 MHz na região metropolitana de São Paulo e no Rio de Janeiro. Noventa por cento desses acessos estão na favela. Parte dos acessos é paga, e parte é fornecida por nós para quem não pode pagar. Por enquanto, esse negócio é equilibrado, fecha no breakeven, mas encaramos como uma parte social da companhia. Instalamos antenas em Paraisópolis, Sapopemba, Jardim Panorama de Osasco, em vários lugares. No Rio, temos na Rocinha cerca de 5 mil acessos, que ficam em média com velocidade de 40 Mbps.

E há planos de expandir o FWA como produto?

Moreira – A gente gosta muito do FWA, mas para dar um próximo passo, temos que rever a tecnologia, botar 5G, algo que não planejamos fazer nos próximos seis meses.

Esses clientes FWA estão na base por alguma marca de MVNO, ou pela Surf?

Moreira – São Surf. Neste sentido, somos um bicho estranho. Somos MVNO autorizatária da TIM, uma fábrica de MVNO por temais de 300 marcas credenciadas, e temos o FWA. Então temos licenças de SCM, SMP, STFC. No STFC, transitamos mais de 1 bilhão de minutos por ano. Com a MVNO dos Correios, uma das exigências era ter cobertura no Brasil inteiro. Tirando a TIM e a Claro, nós somos a única empresa interconectada nos 67 CNs do Brasil. Estamos em Pacaraima, Cruzeiro do Sul, lugares onde não tem Algar, não tem Datora, nenhum outro concorrente virtual. Fizemos as interconexões para atender os Correios, aproveitamos a oportunidade e estabelecemos um serviço de terminação de chamadas para atender call centers e grandes bancos. Com isso, somos entre quarta e terceira operadora do STFC, também.

A migração da concessão da Oi e seu plano de deixar de atender com STFC onde já tiver outra empresa com tecnologia alternativa de voz, abre oportunidades para a Surf?

Moreira – Não tenha dúvida, mas a gente olha com muito cuidado isso. Antes de entrar em qualquer tipo de negócio, fazemos e refazemos as contas, pois não temos investidor por trás. Nosso crescimento é baseado no caixa gerado pela própria empresa.

Então, para atender áreas com interconexão de voz fixa onde antes tinha Oi, vamos fazer as contas para ver se realmente vale a pena.

Já fizeram estudos a este respeito?

Moreira – A gente tem como foco sempre fazer negócio através de parceiros. Nós somos o maior parceiro dos provedores regionais do Brasil na área móvel. Atendemos mais de 200 provedores entre pequenos, médios e grandes.

Temos o cuidado de nunca concorrer com eles em suas áreas de atuação. Os acessos de provedores regionais hoje são mais de 120 mil na nossa base. E eles têm internet na ponta, têm serviço de voz no telefone. Não fazem a interconexão local, então oferecer para os regionais a possibilidade de terem o STFC está no nosso radar, sim.

As empresas clientes de vocês, que oferecem MVNOs, trouxeram alguma preocupação com a NuCel, operadora virtual do Nubank?

Moreira – Nem ligaram.

O que vocês acharam desse lançamento?

Moreira – Acho que qualquer lançamento competitivo faz bem. Deve haver paridade de armas entre todos para se manter no ambiente regulatório. Eles entraram numa guerra santa de ter exclusividade [com a Claro] para a oferta. Não pode. Faz outro mecanismo, o projeto é interessante. Nossa sede é em Brasília porque o Brasil é muito mais do que Faria Lima e Leblon. Existe órgão regulador. Então precisam ter isso em mente: tem que ter paridade de armas.

O PGMC em discussão na Anatel prevê a definição das MVNOs como mercado significativo. Vocês estão de olho nas possíveis mudanças para o segmento?

Moreira – Tem coisas boas no PGMC. O uso do mercado secundário é importante. Pega um provedor regional, ele quer atender lá a região dele com frequências que existem e não são usadas. A gente tem mais de 40 licenças de frequências em caráter secundário em cidades pequenas e de médio porte. Tem em São Gonçalo, no Rio; São José dos Pinhais, perto de Curitiba; Jacareí (SP). O espectro de 700 MHz em caráter secundário traz cobertura, principalmente. Nunca houve pedido de devolução do espectro pelo detentor primário. Tem espectro sobrando em certas regiões, e a Anatel é cuidadosa, sabe onde pode ceder a faixa.

Vocês têm atendido cada vez mais ISPs, e eles estão passando por um processo de consolidação. Que efeitos isso gera sobre os negócios da Surf?

Moreira – Para nós é bem melhor. Temos entre os clientes a Tá Telecom e a TIP, cada uma com mais de 120 provedores. Então, eles se consolidando, em vez de lidarmos com quase trezentos provedores, lidamos com dois.

Vocês já têm experiência com o movimento? Teve provedor que passou por fusão e impactou os contratos com vocês?

Moreira – A gente já teve caso de cancelamento, teve caso de ampliação de contrato, e teve caso de provedor que, depois da fusão, trouxe a carteira da outra empresa que estava em outra MVNE [habilitadora de MVNOs, na sigla em inglês]. O caso da Tá Telecom, começou com 10 provedores, quando 120 aderiram à Tá, nós recebemos 90 novos clientes.

Mudando de assunto. Vocês falam em materiais de vocês que são uma empresa com capital 100% nacional. Mas a Plintron não é um sócio estrangeiro?

Moreira – Mas não é controlador. Somos única empresa com controlador 100% nacional.

E a disputa com eles, em que pé está no momento?

Moreira – O que posso dizer é o seguinte: pau que nasce torto, morre torto. O Tribunal Arbitral deu uma sentença inexequível, ou seja, não dá para fazer, por mais que a gente tente. Por exemplo, na sentença arbitral, não reconheciam a necessidade de anuência da Anatel. Mas como tem radiofrequência, tem licença. Mesmo assim o tribunal arbitral disse que ou não precisava da anuência, ou a aprovação seria automática. E aí veio a surpresa, a Anatel julgou por unanimidade que era um risco à continuidade da prestação de um serviço essencial. Aí caiu a casa para eles.

A Plintron recorreu à Justiça a respeito da decisão da Anatel, e obteve uma liminar, que foi depois derrubada…

Moreira – Quem de bom senso vai fazer uma mudança societária baseada em uma liminar? O STJ decidiu ficar de olho. Caso qualquer coisa aconteça, o processo retorna. O problema é que eles desligaram a plataforma no meio da pandemia, com quase 1 milhão de clientes, e apagaram a base de dados. Eles apagaram quem era cliente, imagina. Na Anatel e na Justiça, eles escreveram ainda que se arvoram no direito de fazer isso de novo.

Essa questão ainda gera preocupação?

Moreira – Preocupação, não. Mas toma tempo da empresa. O que os Faria Limers não entendem é que somos uma empresa concessionária, que presta um serviço público essencial, com responsabilidade social na prestação do serviço. Então, cada vez que vem uma alguma coisa amalucada do Tribunal Arbitral, estão ignorando a soberania do marco regulatório brasileiro das telecomunicações. Toma tempo da empresa, que tem que gastar com advogado em vez de investir.

Vocês cresceram 80 mil acessos em setembro. E em termos de faturamento, qual foi o crescimento no trimestre?

Moreira – A gente não divulga dados financeiros. O que posso falar é que temos crescido 30% ano a ano em termos de receita, com geração de EBITDA positivo, e usamos tudo para reinvestimento no crescimento do negócio. Gostaríamos de investir mais, mas temos que gastar com os advogados por causa do trabalho que essa turma dá. Podíamos ter ainda mais foco em melhorar os serviços e crescer a base, mas eles ficam ali, perturbando, tentando segurar nosso crescimento. Nunca vi sócio que joga contra a empresa, essa é a nossa perplexidade.

Mas a empresa é rentável?

Moreira – Sim, mas eles nos deram um prejuízo de R$ 100 milhões, auditados. Ainda assim estamos gerando receita, EBITDA, pagando dívida e crescendo. O endividamento está equacionado.

Vocês têm alguma previsão de emitir debêntures ou abrir capital? Esse foi um plano de vocês, entre na bolsa…

Moreira – Enquanto um sócio jogar contra, o mercado está fechado para nós. Enquanto tiver essa situação, a gente não consegue participar de nenhum evento de liquidez.

Nem protagonizar fusões com outras fábricas de MVNOs que hoje são concorrentes de vocês?

Moreira – Qualquer mercado, M&A, debêntures, liquidez, está fechado para nós devido ao sócio minoritário, com suas ações, proibir isso. Mas a gente não virou um departamento jurídico. Tentamos blindar a empresa desse novelo.

Voltando à abordagem aos ISPs. É fácil hoje lançar uma MVNO? Se eu sou um ISP e procuro vocês, em quanto tempo minha operação móvel é lançada?

Moreira – No máximo em 60 dias. Já temos treinamento de equipe, fazemos curadoria de vendas, podemos fazer o atendimento de call center. Entregamos todo o enxoval para colocar o móvel na prateleira deles, em modelo revenue share.

Fonte:

Telesintese